domingo, 13 de setembro de 2009

Processo de aquisição da língua escrita


Desde muito pequenas as crianças gostam de imitar tudo que os adultos fazem. Brincam de “casinha”, de médico, de ir ao escritório e tantas outras situações imaginadas. Elas fazem isso pois desejam vivenciar e compreender melhor o mundo que as cerca. Colocar-se no lugar de quem cuida de um bebê as faz compreender melhor o papel de cada um em sua família. Experimentam tudo isso de diferentes pontos de vista, pois ora são filhos, ora pais; ora médicos, ora pacientes. Não raro, numa brincadeira, um finge choramingar e outro acaricia e diz:
“- Não chora, filho. Papai vai trabalhar para ganhar dinheiro mas logo volta!”.
Este é o modo como se aproximam e procuram confirmar suas hipóteses deste mundo que os cerca.
Na fase infantil, aproximam-se do mundo de forma lúdica, mas sempre procurando um sentido real para tudo.
Com a língua escrita, não é diferente. Afinal, desde bebês esta signos escritos os cercam e ajudam a organizar seu mundo. Desde que estão no colo, ouvem histórias, presenciam seus pais lendo jornal, livros, revistas, escrevendo em agendas, computador e anotando recados.
Desde muito pequenos gostam de imitar estes gestos: segurar canetas, lápis, mexer no computador. No começo, estas ações ainda não têm funcionalidade – estão brincando - e registram esta escrita usando sempre os mesmos “rabiscos”.
Aos poucos, “começa a diferenciação: o símbolo adquire um significado funcional e começa graficamente a refletir o conteúdo que a criança deve anotar”. (Luria, 1988, p. 181).
Neste processo, vão aprendendo muito sobre esta língua escrita:
• Que para ler é preciso alguns “objetos”: livros, jornais, papéis...
• Que normalmente viramos páginas da esquerda para a direita;
• Escrevemos recados para quem não está perto;
• Escrevemos para não esquecer de algo – registro;
• Aprendem a segurar e manusear estes objetos;
• Percebem que a língua escrita comunica;
• Que há símbolos de escrita em tudo ao seu redor;
• Diferencia números de letras;

Ainda é possível elencar muitos outros conhecimentos daqueles que ainda não sabem ler, todos importantes para dar continuidade a este aprendizado.
Quando ingressa na escola, a criança acaba exposta a outros procedimentos e sistematizações desta língua: aprende letras, números, nomes e como usar cada vez melhor estes materiais que antes povoavam somente suas brincadeiras e seu imaginário.
Na fase da Educação Infantil, no entanto, esta sistematização ainda pode e deve ocorrer de forma mais lúdica e a favor de jogos e brincadeiras. Afinal, há língua escrita nas regras dos jogos, no calendário, nas receitas de quitutes culinários, nos bilhetes das agendas, nos livros infantis, nos rótulos de seus materiais...
Ao fazer uma festa, escrevemos e recebemos convites; nos dias das mães e dos pais, cartões, nos brinquedos, vemos manuais de como montar e remontar.
É possível e desejável que o educador, consciente deste processo e dos objetivos de sua faixa etária, crie oportunidades variadas da aproximação de seus alunos com esta língua escrita viva.
Fazer uma brincadeira divertida e escrever um bilhete convidando outra turma para participar, dependendo da condução deste professor, pode ser uma rica experiência com esta língua escrita. Ver como o professor se comporta ao grafar o bilhete, enriquece este fazer futuro. Pensar o conteúdo e organizá-lo afim de ter uma boa compreensão do que se quer também.
Nosso dia a dia é cheio deste simples fazeres, portanto, não é preciso forçar nenhuma situação para ensinar esta língua. Afinal ela é o instrumento a favor da comunicação e não o contrário.
A escrita que primeiro ganha significado para estas crianças é a de seu próprio nome, afinal, é ela que os identifica como um ser único e os diferencia dos demais.
Onde está registrado meu nome, garante minha posse de algo.
Esta palavra simples, carrega o maior significado possível para cada um de nós: ser alguém, com características próprias neste grupo.
Assim, usar este nome como “objeto” de apoio para a alfabetização, não é um mero acaso.
Primeiro, os pequenos aprender a identificar este nome. Depois passam a diferenciá-lo dos demais de sua turma. Por último, querem grafá-los.
A primeira letra do nome próprio normalmente é a mais reconhecida e escrita pelas crianças antes das demais. Muitas chegam a estabelecer uma relação de identidade que, em geral, as faz chamá-la de “minha letra”. É sempre aquela que reconhecem mais depressa em diferentes textos, cartazes, alfabetos e outros. Fica muito interessante discutir estes nomes quando, em uma mesma sala há alunos cujos nomes comecem pela mesma letra. A discussão é sempre interessante e eles, desde cedo, aprendem a observar outras partes das palavras como recurso para resolver este pequeno e importante problema.
O modelo da escrita do nome em diferentes materiais informa à criança sobre quais são as letras e qual a quantidade necessária de letras para escrevê-lo, além de informar a posição e a ordem em que aparecem no seu nome. É um importante e significativo ponto de reflexão sobre este código.
Logo após, passa a se interessar pelos nomes das pessoas que lhe são caras: parentes e amigos. E mais conhecimento é posto em jogo e mais reflexão sobre esta língua faz-se possível.
Ao mesmo tempo, cabe ao professor planejar ações, que façam sentido a seus alunos, para colocar em cheque outras questões referentes a esta língua: diversificar os gêneros textuais e portadores de textos para que entrem em contato com esta língua da forma como ela se apresenta e que possam ser bons produtores destes textos no futuro; colocá-los a ler e a escrever, mesmo sem ainda não terem adquirido a base alfabética; usar textos de memória – como parlendas, travalínguas e adivinhas – para fazê-los pensar e conhecer suas estruturas e muitas outras possibilidades.
Assim, percebemos que “...a aprendizagem da leitura e da escrita não se dá espontaneamente; ao contrário, exige uma ação deliberada do professor e, portanto, uma qualificação de quem ensina. Exige planejamento e decisões a respeito do tipo, freqüência, diversidade, seqüência das atividades de aprendizagem. Mas essas decisões são tomadas em função do que se considera como papel do aluno e do professor nesse processo; por exemplo, as experiências que a criança teve ou não em relação à leitura e à escrita. Incluem, também, os critérios que definem o estar alfabetizado no contexto de uma cultura”. (Marília Claret Geraes Duran, “Alfabetização: Teoria e Prática”).

É o educador quem direciona e comanda estas ações. É de sua experiência, vivência, constantes observações e, principalmente de suas intervenções que estes alunos avançam em direção à base alfabética. Mesmo os professores dos alunos muito pequenos, com esta visão, escreverão em frente de seus alunos de outra forma, lerão com maior vigor e propriedade, pois estão conscientes que o aprendizado da língua escrita está em cada uma destas ações.

Denise Pinhas Pereira

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