terça-feira, 29 de julho de 2008

Etiquetas e caixas coloridas


Desde o ano passado, venho refletindo sobre o papel que têm os textos que produzo.
Esse pensamento declina principalmente sobre meus registros de sala e reflexões acerca da prática pedagógica e meu pensar.
Mais especificamente - usando bastante o ‘gerundismo’ para acentuar a constante deste ato - venho pensando sobre o que fazer com estes textos, quando finda o ano...
Eles são engavetados.
Isso não anda me fazendo bem... (“gerundiando...”)
Qual meu incômodo?
Guardar muito papel?
Não. Isso incomoda mais ao meu marido, que fica a repetir:

“-Mas mesmo depois da arrumação você não conseguiu diminuir esse volume de papel? Vai fazer o que com tudo isso?”

Pensando bem, ele colaborou bastante com esse incômodo!
É exatamente isso que faz doer meu calo: o que fazer com tantos textos, de anos que já se foram, sobre crianças que já cresceram que muitas, muitas vezes, são escritas de práticas que não acredito mais?
Qual o papel de tanto papel?
E eu lhes dou um real valor, já que comprei lindas e grandes caixas coloridas para guardá-los, combinando com os quadros e móveis do escritório. Separei, classifiquei, coloquei em pastas etiquetadas e - pasmo eu, agora - etiquetei as caixas!
São tantos textos, meus e recebidos durante anos de trabalho e estudo, que, para saber o que tenho, tive que organizá-los.
Agora, revendo minhas caixas e pastas, percebo que sempre recorro a elas.
Ora, busco um texto bonito e interessante para a reunião de pais, ora, resgato um antigo relatório que ficou muito bacana, a fim de lembrar como redigi sobre uma característica específica, ora para buscar e reler textos de estudos, há muito lidos, e já quase esquecidos.
Não raro, empresto livros e, agora, pensando, textos!
Os textos das minhas pastinhas etiquetadas.
A maioria, guardados há anos; muitos já amarelados e que despertam minha rinite e também a memória.
Os meus textos? Não lembro de tê-los emprestado. Muitos, dividi com minhas orientadoras. Conversamos acerca destes e engavetei. Poucos se alastraram.
Mas tenho como meus.
Muitos, releio.
Outros, só de olhar, remetem situações, sentimentos e pessoas.
Até sensações boas e lembranças nem sempre agradáveis.
No entanto, estes textos sempre foram bons amigos e conselheiros. Companheiros de jornada.
Relendo, visito minha história profissional e pessoal.
Revejo o que permanece e o que se foi.
Sinto que cresci.
E sinto o quanto ainda podem me ajudar a construir histórias.
Ufa!
Não é que escrever, de fato, traz à tona respostas?
Meu incômodo com pastas etiquetadas?
Caixas coloridas?
Textos engavetados?
Esvaneceu.
Diluiu.
Em mais um texto.
Mas este, vou levar para mais alguém ler...


Denise Pinhas Pereira
Junho de 2006

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Clássicos de classe




“Os clássicos escreviam tão bem porque não tinham os clássicos para atrapalhar.”
(Mário Quintana)

Mas... Espera um pouco...
Assim eu acabo ficando confusa...
Concordei com o Mário Quintana, logo que reli esta frase, guardada em minha agenda de 2000. Afinal, acabara de sair de discussões sobre textos e também de reflexões pessoais acerca de quem é que dita qual é o melhor jeito de escrever.
Mas, então, muitas outras idéias vieram à tona.
Quando fiz Letras (sim, fiz um ano de Letras!), aprendi que, entre os lingüistas, havia uma discussão sobre os clássicos. Alguns diziam que existiam, na história da humanidade, outros bons referenciais para textos. Eles foram esquecidos ou deixados à sombra por anos, séculos até, por não terem entrado na(s) lista(s) dos “mais-mais”. Outro questão era que esta classificação estava baseada em parâmetros ocidentais e descartava textos orais e escritos de outras civilizações.
Por outro lado, já há algum tempo, ao falarmos de Artes, dizemos que, para produzir bem, as crianças devem ter acesso a bons modelos. Ou seja, clássicos!
Em qualquer forma de expressão, de comunicação, é possível catalogar e achar uma boa listinha de clássicos, de bons modelos.
Mas, volto à questão de Mário Quintana: não corremos o risco de encaixotarmos o fazer, apresentando sempre as boas mesmísses de sempre?
Penso mais: os educadores, bem intencionados ou não, com experiência ou não, acabam atendo-se a estes modelos como um porto seguro, uma muleta e, muitas vezes, sem perceber, apresentam um modelo muito pior a seus alunos: ensinam que a Arte, em suas diversas formas de expressão, faz-se assim ou assado; que ela fica num lugar sagrado, fora do alcance dos mortais, que não têm acesso a ela.
Nós, educadores, esquecemos, de mostrar a nossos alunos e à sociedade, que o dia-a-dia é recheado de situações e experiências que exigem alguma forma de expressão.
Deixamos de mostrar nossa ousadia, de sermos modelos de fazer. Mostramos os clássicos, (que são realmente bons modelos), mas nos esquecemos de transportá-los para a nossa vida de polivalente. Fazemos isso quando não os experimentamos, não os vimos como parte de cada ser, objeto e atitude do cotidiano. Como, então, podemos “ensinar” nossos alunos a transformarem a boa expressão de alguém em parte da sua escolha de comunicação?
Escrever comunica.
Ler um bom clássico comunica.
Mas, ler o que meu colega escreveu, ou um outdoor também!
Poder conversar sobre as falhas de comunicação de determinado texto, talvez possa comunicar mais que um bom modelo.
Observar e estudar minhas falhas, também.
Tudo depende do olhar e da direção que o educador considera o objeto.
O equívoco é querer comunicar como um clássico ou exigir do outro que se expresse fora de sua capacidade, de sua vivência.
Por isso é que o polivalente deve refletir constantemente sobre sua prática, sobre seus alunos.
Enfim, alimentar é importante, mas cumpre tão somente necessidades básicas. Para considerar que bons modelos gerem criação, é preciso que eles proporcionem ao aprendiz mais que a receita. É desejável experimentar novos sabores, cheiros; é preciso degustar, atiçar o paladar; é imperativo ter o prazer de comer, devorar e cear com os iguais! É necessário ter vivenciado diversas vezes, de diferentes formas, até conseguir fazer sem necessitar da receita.

Denise Pinhas Pereira

REPENSANDO TUDO DE NOVO! OUTRA VEZ!


Sempre fui muito teimosa.
Sempre fui muito orgulhosa.
Profissionalmente, talvez até mais.
Conforme fui amadurecendo, percebi que, conforme é esperado de um ser humano, refletir sobre as nossas ações já efetuadas, nos auxilia a refletir sobre aquelas que ainda estão por vir. Em suma: procurar não cometer os mesmos erros!
Agora percebo que, refletir é uma coisa, repensar é outra.
Refletir envolve remoer e reviver as emoções vividas em determinado momento, investigar as reações dos atos já acontecidos ou não e até mesmo procurar prevê-los.
Já para repensar, preciso, obrigatoriamente, destruir algo anteriormente já pensado e reconstruí-lo. Significa matar uma idéia inicial; viver o luto da frustração de percebê-la errada, ou equivocada, ou inadequada para o momento; enterrá-la e, enfim, o passo mais difícil: substituí-la!
Esta idéia, a de repensar, implica em mudanças. Refletir, não.
Muitas vezes, ao refletir percebemos que é necessário repensar, re-planejar. Outras, somente precisamos fazer reparos ou adaptações. E, em muitos casos, chega-se à conclusão de que nada precisa mudar.
Hoje em dia, apesar de certa maturidade pessoal e profissional, ainda é difícil assumir, para mim, que se faz necessário repensar determinado projeto ou atividade.
Viver esta frustração é parte da vida, mas nunca ninguém disse que é fácil passar por ela.
Uma idéia é como um filho. Nasceu de você. Descartá-la pode ser duro.
Mas, agora, depois de ter vivido alguns momentos como este, fico feliz por saber que sou mais capaz de passar por isso com mais naturalidade.
É até motivo de orgulho quando percebemos que somos capazes de detectar possíveis erros e de encará-los com tranqüilidade. Isso faz um bom profissional de Educação.
Educar implica em ensinar a sobrepujar os próprios erros. Como transmitir tal conteúdo, se não sou capaz de enfrentar os meus?
Repensar o Projeto Eletricidade, refletir e transforma-lo em uma seqüência de atividades foi essencial, este ano.
Meu olhar está mais aguçado, e as atividades focaram-se no conteúdo oculto nas questões das crianças: a transformação e a ação do Homem, principalmente, delas, crianças.
Ainda estou refletindo muito sobre o papel de Estudos Sociais e Ciências em meu trabalho e no da escola. Não tenho muitas respostas a dar, ainda. Mas tenho muitas perguntas a oferecer.
Aceita uma?
Denise Pinhas Pereira

Leituras


Todo final de ano, pergunto-me o que foi que li, assim como as pessoas normalmente fazem sobre resoluções tomadas a cada Reveillon.
E, assim como as tais juras, acabo por não cumprir metade do que havia imaginado. Não li Adélia Prado, não achei mais textos de Murilo Rubião, não reli Machado de Assis, nem Málika, que tanto queria...
Nem tantas outras obras e textos literários pelos quais passei durante o ano, senti uma enorme curiosidade por tê-los nas mãos, passar os olhos por eles, desvendar suas aventuras e mistérios. Todos rapidamente armazenados na memória, mas facilmente esquecidos num arquivo qualquer de minha cabeça.
Este imenso arquivo morto que posso chamar de “Não posso esquecer de ler”, é onde ficam os textos esquecidos, por mais estapafúrdia que seja esta idéia.
É por gostar de ler mais do que consigo que, como educadora, percebo que é mais importante despertar este tipo de desejo em meus alunos do que qualquer outra situação de leitura que eu planeje.
Organizar o que vai ser lido em sala de aula, antes de qualquer coisa, tem que ser um prazer para o professor. Só a partir de textos desejados, queridos e experimentados por ele, educador, é que será possível obter um bom resultado com os pequenos, tendo eles conquistado a base alfabética, ou não.
Ler em sala de aula só para despertar o prazer da leitura. Ler para obter informações desejadas, ler para fazer uma tarefa, ler para aprender a ler, ler para compreender como escrever, ler para conhecer as diferentes formas de escritas existentes e os diversos gêneros.
Nenhum destes objetivos pode ser plenamente alcançado ou almejado se, antes, não houver uma experiência do professor com aquele texto.
Aqui, por experiência, falo de algo maior do que ‘entrar em contato’. Falo de experiência como algo maior. É preciso conhecer a fundo, desmembrar, refletir, digerir e atuar para viver uma experiência.
‘Entrar em contato’ é o mesmo que ler um folheto de propaganda entregue num semáforo. Você até faz a leitura, automaticamente, para saber do que se trata. É uma informação superficial. Ela não lhe interessa de fato e nem chama sua atenção.
Viver uma experiência, seria o mesmo que pegar este mesmo folheto porque tem interesse, já que precisa comprar o produto anunciado. Você revira todo o texto, relê para confirmar as informações que mais desejou, compara mentalmente com o que esperava, com outras leituras do gênero que já fez, reflete e toma uma decisão: compra, não compra, vai olhar o produto, ou não. Se há interesse, você, inclusive vai dividir o texto com mais alguém e até discutir sobre os dados do mesmo.
É neste segundo aspecto que deve se basear as escolhas do educador para as leituras em sala, em teoria.
Naturalmente, o professor poderá fazer comentários interessantes antes da leitura, procurando fomentar o desejo do ouvinte pelo texto.
Estes comentários garantem que a experiência da leitura escolhida também seja real para o aluno.
Quando a experiência está garantida (aqui, arrogantemente pensando que os alunos ‘comprem’ o argumento do professor em unanimidade) , todos os objetivos planejados com a atividade podem ser alcançados.
Tudo isso, pensando antes da leitura em si.
É verdade que este professor envolvido com o texto, será um leitor ardente e apaixonado, o que é prazeroso de se ouvir. Como ter certeza da entonação de um personagem se eu nem conheço o texto? Como ter certeza se os dados deste texto condizem com que eu desejo transmitir? Tudo isso define o como ler.
É claro que também há um estilo para leitura, mas é um dado de natureza diferente, pois é pessoal e subjetiva. Nem sempre é ele que define a atenção dos leitores, mesmo que sejam elas crianças. Mas é inegável que um leitor apaixonado pelo texto é envolvente.
Deixei para comentar no final sobre um dos objetivos de leitura em sala de aula que mais gosto: Apreciação de textos.
Não é comum vermos professores conversando com seus alunos sobre o estilo de um autor, sobre o vocabulário usado, sobre a forma de determinado autor descrever, sobre a configuração de determinada personagem e tantos outros atributos possíveis de um escrito. No entanto, este tipo de conteúdo é o que se espera de nossos escritores, que saibam como escrever bem.
Para escrever bem, é preciso saber os pontos a serem observados, as possibilidades de narrativa, as diferentes formas textuais. É preciso saber dar gosto, cor, aroma e fluidez.
Como fazer tudo isso sem um mínimo de repertório?
Aqui, podemos falar de repertório de duas formas: bons textos, bons autores, boas histórias, de onde possam ‘beber’ para suas próprias produções; ou da consciência dos elementos enriquecedores do texto em si: conectivos, vocabulário, estilo, criação, clareza, objetividade, poética,etc.
Assim, regularmente, num momento de leitura, propor esta investigação é desejável. Conversar sobre trechos de um determinado texto, ressaltando uma característica específica, enriquece o fazer. Alimenta a produção. Arrisco a dizer que também ‘tesão’!
Os muito pequenos (4, 5 anos) não é possível ter este tipo de conversa, mas há algo mais bonito ainda a se fazer. Neste caso, chegar em sala de aula com um texto especial e contar porque é especial, é possível e ajuda. Neste caso, o professor é o modelo. É ele que chega e diz:

“- Pessoal, hoje eu escolhi esta história porque achei maravilhoso o jeito que o autor descreveu a princesa! Prestem atenção!”

Ou:

“- Olha, hoje eu trouxe uma poesia que demorei para entender, porque o autor usa um monte de palavras tão parecidas! Será que vocês vão conseguir entender?”

Não é receita. Nem remédio. É jeito. Caseiro, mas baseado na experiência, igual a minha avó. É uma receita caseira, mas carregada de conhecimento também. E olha, que chá de avó que cura tudo, funciona, principalmente porque é gostoso...

Denise Pinhas Pereira