segunda-feira, 28 de julho de 2008

Leituras


Todo final de ano, pergunto-me o que foi que li, assim como as pessoas normalmente fazem sobre resoluções tomadas a cada Reveillon.
E, assim como as tais juras, acabo por não cumprir metade do que havia imaginado. Não li Adélia Prado, não achei mais textos de Murilo Rubião, não reli Machado de Assis, nem Málika, que tanto queria...
Nem tantas outras obras e textos literários pelos quais passei durante o ano, senti uma enorme curiosidade por tê-los nas mãos, passar os olhos por eles, desvendar suas aventuras e mistérios. Todos rapidamente armazenados na memória, mas facilmente esquecidos num arquivo qualquer de minha cabeça.
Este imenso arquivo morto que posso chamar de “Não posso esquecer de ler”, é onde ficam os textos esquecidos, por mais estapafúrdia que seja esta idéia.
É por gostar de ler mais do que consigo que, como educadora, percebo que é mais importante despertar este tipo de desejo em meus alunos do que qualquer outra situação de leitura que eu planeje.
Organizar o que vai ser lido em sala de aula, antes de qualquer coisa, tem que ser um prazer para o professor. Só a partir de textos desejados, queridos e experimentados por ele, educador, é que será possível obter um bom resultado com os pequenos, tendo eles conquistado a base alfabética, ou não.
Ler em sala de aula só para despertar o prazer da leitura. Ler para obter informações desejadas, ler para fazer uma tarefa, ler para aprender a ler, ler para compreender como escrever, ler para conhecer as diferentes formas de escritas existentes e os diversos gêneros.
Nenhum destes objetivos pode ser plenamente alcançado ou almejado se, antes, não houver uma experiência do professor com aquele texto.
Aqui, por experiência, falo de algo maior do que ‘entrar em contato’. Falo de experiência como algo maior. É preciso conhecer a fundo, desmembrar, refletir, digerir e atuar para viver uma experiência.
‘Entrar em contato’ é o mesmo que ler um folheto de propaganda entregue num semáforo. Você até faz a leitura, automaticamente, para saber do que se trata. É uma informação superficial. Ela não lhe interessa de fato e nem chama sua atenção.
Viver uma experiência, seria o mesmo que pegar este mesmo folheto porque tem interesse, já que precisa comprar o produto anunciado. Você revira todo o texto, relê para confirmar as informações que mais desejou, compara mentalmente com o que esperava, com outras leituras do gênero que já fez, reflete e toma uma decisão: compra, não compra, vai olhar o produto, ou não. Se há interesse, você, inclusive vai dividir o texto com mais alguém e até discutir sobre os dados do mesmo.
É neste segundo aspecto que deve se basear as escolhas do educador para as leituras em sala, em teoria.
Naturalmente, o professor poderá fazer comentários interessantes antes da leitura, procurando fomentar o desejo do ouvinte pelo texto.
Estes comentários garantem que a experiência da leitura escolhida também seja real para o aluno.
Quando a experiência está garantida (aqui, arrogantemente pensando que os alunos ‘comprem’ o argumento do professor em unanimidade) , todos os objetivos planejados com a atividade podem ser alcançados.
Tudo isso, pensando antes da leitura em si.
É verdade que este professor envolvido com o texto, será um leitor ardente e apaixonado, o que é prazeroso de se ouvir. Como ter certeza da entonação de um personagem se eu nem conheço o texto? Como ter certeza se os dados deste texto condizem com que eu desejo transmitir? Tudo isso define o como ler.
É claro que também há um estilo para leitura, mas é um dado de natureza diferente, pois é pessoal e subjetiva. Nem sempre é ele que define a atenção dos leitores, mesmo que sejam elas crianças. Mas é inegável que um leitor apaixonado pelo texto é envolvente.
Deixei para comentar no final sobre um dos objetivos de leitura em sala de aula que mais gosto: Apreciação de textos.
Não é comum vermos professores conversando com seus alunos sobre o estilo de um autor, sobre o vocabulário usado, sobre a forma de determinado autor descrever, sobre a configuração de determinada personagem e tantos outros atributos possíveis de um escrito. No entanto, este tipo de conteúdo é o que se espera de nossos escritores, que saibam como escrever bem.
Para escrever bem, é preciso saber os pontos a serem observados, as possibilidades de narrativa, as diferentes formas textuais. É preciso saber dar gosto, cor, aroma e fluidez.
Como fazer tudo isso sem um mínimo de repertório?
Aqui, podemos falar de repertório de duas formas: bons textos, bons autores, boas histórias, de onde possam ‘beber’ para suas próprias produções; ou da consciência dos elementos enriquecedores do texto em si: conectivos, vocabulário, estilo, criação, clareza, objetividade, poética,etc.
Assim, regularmente, num momento de leitura, propor esta investigação é desejável. Conversar sobre trechos de um determinado texto, ressaltando uma característica específica, enriquece o fazer. Alimenta a produção. Arrisco a dizer que também ‘tesão’!
Os muito pequenos (4, 5 anos) não é possível ter este tipo de conversa, mas há algo mais bonito ainda a se fazer. Neste caso, chegar em sala de aula com um texto especial e contar porque é especial, é possível e ajuda. Neste caso, o professor é o modelo. É ele que chega e diz:

“- Pessoal, hoje eu escolhi esta história porque achei maravilhoso o jeito que o autor descreveu a princesa! Prestem atenção!”

Ou:

“- Olha, hoje eu trouxe uma poesia que demorei para entender, porque o autor usa um monte de palavras tão parecidas! Será que vocês vão conseguir entender?”

Não é receita. Nem remédio. É jeito. Caseiro, mas baseado na experiência, igual a minha avó. É uma receita caseira, mas carregada de conhecimento também. E olha, que chá de avó que cura tudo, funciona, principalmente porque é gostoso...

Denise Pinhas Pereira

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